Venezuela: 20% da população vive como migrantes ou refugiados em diferentes partes do mundo, diz ONU
A profunda crise que a Venezuela experimentou nos últimos sete anos mudou completamente essa dinâmica e o país se tornou um grande emissor de migrantes.
Cerca de 7,1 milhões de venezuelanos (cerca de 20% da população) vivem atualmente como migrantes ou refugiados em diferentes partes do mundo, segundo dados da ONU de setembro de 2022.
Segundo Juan Navarrete, vice-diretor para a crise de refugiados da Anistia Internacional Venezuela com sede em Bogotá (Colômbia), esse número mostra que a crise migratória venezuelana não deu sinais de arrefecimento — em agosto o número de refugiados era de 6,8 milhões de pessoas.

“O fluxo de pessoas que sai da Venezuela continua, embora talvez não na mesma proporção do período 2015-2017”, diz Navarrete à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
Julia Gellat, analista sênior do Migration Policy Institute, um centro de estudos com sede em Washington (Estados Unidos), acredita que uma combinação de condições econômicas e políticas difíceis vem forçando os venezuelanos a deixar o país.
Em sua visão, algumas pessoas que decidiram permanecer na Venezuela até agora estavam esperando a queda do governo de Nicolás Maduro e, como isso não aconteceu, agora acreditam que é hora de sair.
A Venezuela saiu de um longo período de hiperinflação em dezembro de 2021, mas continua sendo um dos países com a inflação mais alta do mundo.
Nos últimos dois meses, a moeda venezuelana se desvalorizou cerca de 30% em relação ao dólar, cuja cotação oficial passou de 6,28 bolívares por dólar em agosto para 8,26 bolívares por dólar nesta semana, o que deixa o salário mínimo mensal dos venezuelanos em torno de US$ 16 ou R$ 85 — no Brasil, para efeitos de comparação, o salário mínimo é de R$ 1.212.
Mudança na tendência migratória
Desde o início da crise migratória, a maioria dos venezuelanos que decidiu deixar o país migrou para outras nações da América Latina e do Caribe: cerca de 5,96 milhões.

Estima-se que existam quase 2,5 milhões de venezuelanos na Colômbia, 1,5 milhão no Peru, 500 mil no Equador e 450 mil no Chile. No Brasil, são cerca de 260 mil, segundo dados da ONU.
No entanto, Navarrete explica que as condições de entrada e permanência de venezuelanos na região ficaram mais difíceis nos últimos anos.
Isso levou a uma mudança na tendência migratória. Portanto, agora, em vez de procurarem rotas para o sul, os venezuelanos que buscam uma vida melhor no exterior passaram a olhar mais para o norte.
“Assim como no norte existe o Estreito de Darién [uma selva muito perigosa que os migrantes que vão da Colômbia ao Panamá devem atravessar], no sul, desde a pandemia de coronavírus, os países da região começaram a exigir dos venezuelanos vistos e outros documentos de difícil obtenção”, diz.
O especialista indica que a essas dificuldades se somam alguns episódios de xenofobia ocorridos em alguns países como Chile e Peru, que os migrantes também levam em consideração ao pensar em possíveis destinos.
Soma-se a tudo isso o fato de que, desde a pandemia do coronavírus, a situação econômica nos países da América Latina se deteriorou tanto para a população local quanto para os imigrantes, que ficaram em situação ainda mais precária.
“Acho que uma mudança que ocorreu recentemente é que as condições econômicas em outros países levaram os venezuelanos a virem para os Estados Unidos”, diz Julia Gelatt.
Brasil

O governo de Roraima vai criar um ‘gabinete de emergência’ para lidar com o fluxo de refugiados venezuelanos que atravessam a fronteira seca ao norte do Brasil buscando melhores condições de vida no País.
As autoridades não têm uma contagem precisa do número de pessoas que já entraram no território brasileiro em tais condições, mas estimam que já passem dos 30 mil.
A formação do gabinete especial contará com representantes de diversas secretarias de governo, além da coordenação do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil. Segundo o comandante dos Bombeiros e da Defesa Civil, coronel Edvaldo Amaral, a medida é uma forma de intensificar a atividade estadual para tentar conter a crise.
A atratividade dos EUA e a ‘inteligência migratória’
Navarrete explica que, diante da deterioração das condições econômicas e das dificuldades crescentes de ir para outros países latino-americanos, os EUA podem aparecer como um lugar mais atraente na mente dos migrantes venezuelanos.

“Um migrante venezuelano que vive mendigando dinheiro nas ruas da Colômbia pode pensar que pode conseguir muito mais dinheiro nos Estados Unidos, onde os meios de subsistência são melhores. Então, em sua imaginação, eles preferem ir rumo ao norte em vez de ao leste, sem pensar que os riscos da rota norte são muito maiores”, argumenta.
A isso se soma o fato de que os Estados Unidos tinham uma política benevolente em relação aos migrantes venezuelanos, que as autoridades daquele país consideram vítimas do governo Maduro, descrito como um “ditador” tanto por Biden quanto por seu antecessor, o republicano Donald Trump.
Em um comunicado de imprensa Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP, na sigla em inglês) divulgado em setembro, destaca-se que “o grande número de pessoas que foge dos regimes comunistas fracassados na Venezuela, Nicarágua e Cuba está contribuindo para um maior número de migrantes tentando atravessar a fronteira.”
Por volta desses mesmos dias, questionado pela imprensa, o próprio presidente Biden disse que não era “racional” devolver os migrantes a esses três países.
Até agora, na prática, essa posição significava que, durante meses, quando os venezuelanos cruzavam a fronteira para os EUA vindos do México, eles “se rendiam” à patrulha de fronteira, porque achavam que não seriam deportados, mas que simplesmente seriam detidos por alguns dias e depois soltos enquanto aguardavam o processamento de seu pedido de asilo perante um juiz de imigração.
Isso era uma diferença fundamental em relação ao tratamento dado aos migrantes de muitos outros países expulsos dos EUA para o México ou deportados para seus países de origem.
“Alguns imigrantes achavam que até agora os Estados Unidos estavam deixando os venezuelanos entrarem e não os expulsavam com base no Título 42 (uma regra da era Trump que permite que eles sejam devolvidos ao México com a desculpa da pandemia de coronavírus), ao contrário do que acontece com os migrantes de outros países. Acho que essa informação se espalhou entre as redes de migrantes”, diz Gellat.
Navarrete se refere a esse fenômeno como “inteligência migratória”: a troca de informações entre migrantes que, como explica, no caso dos venezuelanos, ocorre muito por meio de redes sociais como TikTok e Facebook.
Segundo o especialista, a soma de todos esses elementos vem tornando a ideia de emigrar para os EUA atraente na mente dos migrantes venezuelanos.
Mas podemos esperar alguma mudança após o governo Biden anunciar que vai expulsar para o México os venezuelanos que tentarem entrar na fronteira sul sem visto?
Navarrete acredita que, em parte, isso dependerá do que acontecer com essas informações e como elas são tratadas nas redes de migrantes, e aponta que muitos dos que estão emigrando são jovens, de classes populares, que não conhecem as normais legais sobre migração.
Ele acrescenta ainda que os grupos de contrabando de migrantes encontraram nos venezuelanos uma oportunidade de negócio.
Julia Gelatt, por sua vez, considera ser possível que, embora alguns decidam permanecer na Venezuela ou ir para outros países, haja quem insista em ir para os Estados Unidos.
“Se as pessoas estão fugindo da fome, da pobreza e da repressão política na Venezuela, é muito provável que façam a viagem de qualquer maneira e possam tentar atravessar a fronteira, mesmo que não estejam mais procurando por agentes de patrulha de fronteira para que lhes permita entrar e ficar. As pessoas ainda podem estar tentando entrar, mas clandestinamente”, diz.
“Quando as condições são tão difíceis, haverá pessoas que precisam emigrar para sobreviver e essas ainda podem tentar vir para os EUA”, conclui.