Com a iminente eleição presidencial na Argentina, volta à tona a discussão sobre o porvir do Mercosul. De uma lado, temos o candidato incumbente, Sergio Volume, que defende o protótipo atual do conjunto. De outro, o candidato da oposição, Javier Milei, crítico da falta de dinamismo do Mercosul e protector de mudanças estruturais. Qual destas visões estaria mais aderente aos fatos?
Criado em 1991, por meio do Tratado de Assunção, o conjunto mercantil constituído por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai tinha a ambiciosa meta de, em unicamente quatro anos, tornar-se um mercado generalidade. Mais do que uma simples extensão de livre transacção, um mercado generalidade pressupunha, para além da não incidência dos impostos de importação sobre o transacção entre os sócios, pontos porquê:
- término das barreiras não tarifárias;
- extinção do regime de regras de origem;
- geração de uma tarifa externa generalidade; e
- livre mobilidade de fatores de produção — para não falar do alinhamento de políticas comerciais, macroeconômicas e setoriais.
Um bom exemplo de mercado generalidade no mundo atual, ou melhor, o único exemplo que temos, é a União Europeia que, indo mais além, criou uma moeda única em 1999 e se tornou uma união monetária.
O “irrealismo” do Tratado de Assunção

Não demorou muito, porém, para permanecer simples o nível de irrealismo contido no Tratado de Assunção. Finalmente, desde 1994 aos dias atuais, pouca coisa mudou na estrutura interna do Mercosul. Somos um misto de extensão de livre transacção imperfeita, protegida por uma tarifa externa generalidade (TEC) repleta de exceções, mas com uma média tarifária entre as mais altas do mundo, confortável o bastante para neutralizarmos parcela significativa da concorrência internacional.
Decidimos batizar leste igrejinha mercantil de “união aduaneira”, ainda que, na prática, esta “união” inexista, dados os vários “furos” da TEC. Ou por outra, típicas de áreas de livre transacção, decidimos manter o nosso regime de regras de origem, conservadoras e incompatíveis com um mundo fragmentando em cadeias globais de valor. Neutralizamos, assim, uma das principais vantagens de uma união aduaneira em face de uma simples extensão de livre transacção: a possibilidade da livre circulação de bens importados entre os sócios, sem burocracia, pagando o mesmo imposto de importação na borda, independentemente do país membro importador.
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Porquê se não bastasse, mesmo estando longe do protótipo de um mercado generalidade, decidimos que as negociações de acordos internacionais, fora do contextura da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), deveriam ser feitas em conjunto. Ou seja, de forma consensual entre os quatro sócios.
Criado com tantas distorções internas que perduram até os dias atuais, será que leste igrejinha mercantil tinha mesmo alguma chance de entregar resultados concretos e servir porquê plataforma de inserção internacional para os países sócios? Façamos uma breve retrospectiva, sob o ponto de vista da sua maior economia.
“Não seria excesso proferir que, até o momento — e de forma quase que paradoxal — o congraçamento mais importante negociado pelos países do Mercosul foi o próprio Mercosul”
Lucas Ferraz
Em 1991, pouco antes da assinatura do Tratado de Assunção, o Mercosul representava muro de 8% das trocas comerciais do Brasil com o mundo. Ao final da mesma dezena, com a eliminação de parcela significativa das barreiras tarifárias entre os sócios, a representatividade do conjunto chegou a atingir mais de 16% do transacção exterior brasiliano.
Mas, nos anos mais recentes, o Mercosul não chega a simbolizar nem 7% das trocas comerciais do Brasil. Ou seja, representa, hoje, menos do que representava antes da própria formação do conjunto. Por outro ângulo, se em 1991 as exportações do Brasil correspondiam sobre 1,3% do transacção mundial, esta fatia pouco se alterou nos dias atuais, comprovando o fracasso do Mercosul em alavancar o transacção exterior do país.
Há porvir para o Mercosul no mercado internacional?


No que tange aos acordos comerciais, enquanto que desde 1991 foram registrados mais de 300 novos acordos no contextura da Organização Mundial do Negócio, não seria excesso proferir que, até o momento — e de forma quase que paradoxal — o congraçamento mais importante negociado pelos países do Mercosul foi o próprio Mercosul, com a assinatura do Tratado de Assunção. O resultado disso é que, enquanto o Brasil exporta seus produtos mundo afora, com tarifas suspensas para unicamente muro de 13% do valor totalidade exportado, seus competidores, mais integrados à economia global, exportam com preferenciais tarifárias em até 70% do valor totalidade vendido para o mundo.
Diante de resultados tão frustrantes, parece mais do que razoável a constatação de que o Mercosul precisa urgentemente de reformas. O oração de simplesmente terminar com o conjunto é tão ligeiro quanto equivocado. Mas porquê também é equivocada a visão de que processos de integração mercantil podem ser concretizados, com sucesso, de costas para o mundo.
“Porquê justificar que nos engajamos em negociações comerciais com a União Europeia que já levam mais de 25 anos sem serem concluídas?”
Lucas Ferraz
Um grande passo para um Mercosul mais dinâmico passa, sem incerteza, por uma séria discussão sobre porquê flexibilizar seu protótipo negociador. Com uma TEC repleta de exceções (algumas estimativas falam em mais de 40% do seu universo tarifário), qual o sentido de nos obrigarmos a negociações em conjunto? Em outras palavras, a possibilidade de negociações bilaterais com países de fora do contextura da Aladi retiraria uma das principais “amarras” do Mercosul, onde tudo se resolve e se negocia em bases consensuais, ignorando as distintas estruturas produtivas e os ciclos políticos dos países sócios.
O resultado deste protótipo, porquê já visto, foi a paralisia e a transformação do conjunto em uma grande suplente de mercado. Finalmente, aos nossos olhos e aos olhos do mundo, porquê justificar que nos engajamos em negociações comerciais com a União Europeia que já levam mais de 25 anos sem serem concluídas? Porquê explicar que, nesta mesma negociação, cuja segmento mercantil foi finalmente concluída em 2019, tenhamos resolvido, leste ano, reabrir capítulos que já estavam negociados, sem qualquer critério minimamente racional ou siso de pragmatismo?
Levada a teoria da flexibilidade negociadora adiante, com ou sem a bilateralidade estrita, simples está que estaria decretado o término da TEC, a qual, na verdade, nunca existiu em sentido pleno, mas unicamente em nosso imaginário coletivo. O corolário subitâneo é que voltaríamos para onde nunca deveríamos ter saído: um Mercosul porquê uma simples extensão de livre transacção, tal qual 96% dos arranjos comerciais existentes no mundo atual.
A verdade é alguma coisa que, cedo ou tarde, sempre se impõe. Com a vocábulo, o Uruguai.
Por Lucas Ferraz. Secretário de Negócios Internacionais do Estado de São Paulo.