A reação do presidente da República e do seu governo diante da constatação de que a mulher de um dos astros do violação organizado foi recebida, duas vezes, no Ministério da Justiça, só confirmou o seu procedimento-padrão nesse tipo de caso. Em nenhum momento se admitiu que houvesse um tanto inverídico na história toda; uma vez que sempre ocorre neste tipo de flagrante, dizem que as vítimas são eles, e que os culpados são os que divulgaram as informações ou estão “se aproveitando” dela. Não houve nenhuma punição, ou nem sequer uma recado pública, para os responsáveis. Não houve recepção de erro. O principal envolvido no caso, o ministro da Justiça, acabou sendo elogiado pelo presidente Lula. “Minha solidariedade ao ministro Flavio Dino, que vem sendo mira de absurdos ataques artificialmente plantados”, disse ele. Por trás de tudo, uma vez que uma nuvem, ficaram pairando as perenes acusações de fake news.
É mais uma dessas ocasiões em que o governo se esmera para edificar uma posição integralmente falsa. Não houve nenhum “ataque sem razão”. Houve, isso sim, uma reportagem tecnicamente impecável dos repórteres André Shalders e Tácio Lorran, de O Estado de S. Paulo, informando que a mulher do dirigente do Comando Vermelho no Amazonas, recluso e réprobo a 31 anos por crimes que incluem o homicídio, foi recebida no prédio do Ministério por dois secretários e dois assessores do ministro. Ela mesma, a propósito, responde em liberdade a uma pena de dez anos e é apontada pela polícia uma vez que a gerente-financeira do CV amazonense. Não se “plantou zero”, e nem houve zero de “sintético”. O que o Estado fez foi publicar uma informação comprovada e indiscutível – unicamente isso. Não há “fake news” alguma . O que há é news em estado puro, que não tiveram o mais remoto tipo de desmentido. E se elas deixaram o governo nu, qual é a culpa dos jornalistas? Não foram eles que receberam a mulher.
Ministro nega que recebeu a “Senhora do Tráfico”
Há gente que está querendo tirar proveito do sinistro? É simples que há. Desde quando, na história universal da política, a oposição não tenta usar em seu favor os desastres do governo? Não se pode esperar, diante do que aconteceu, que os adversários e inimigos do governo se declarem solidários com o ministro Dino. É essa, porém, a teoria que Lula e o seu sistema tentam vender: o Ministério da Justiça está sendo vítima de ações políticas e a culpa, no termo de todas as contas, é de quem divulgou a notícia. O ministro diz e repete, em tom de criminação indignada, que não recebeu a mulher do criminoso em seu gabinete ou em qualquer outro tipo de estado. E onde está escrito, da primeira à última risca da reportagem do Estado, que ele recebeu?
Fica, e não vai embora, uma pergunta fundamental: os jornalistas poderiam publicar a sua reportagem se houvesse, uma vez que o governo Lula tanto quer, o “controle social dos meios de informação”?
(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de novembro de 2023)